Lições Cronicadas 2

01/01/2024

Intitulado "Uma Esperança para o Ano Novo", a crônica abaixo brotou numa noite de Ano Novo, quando estávamos indo para a casa de meu pai e, no caminho, encontramos desesperança no rosto de um alguém. Mais uma para a série "Lições Cronicadas". 

Indo sabe Deus para onde...
Indo sabe Deus para onde...

Uma Esperança para o Ano Novo


Era início de noite em uma véspera de Ano Novo. 

Eles estavam indo passar o réveillon na casa de parentes para comemorar a chegada de mais um ano, quando o sinal ficou vermelho, obrigando-os a parar. Avistaram então um homem de estatura mediana, aparentando uns 50 anos, pouco mais, pouco menos, abordando os carros mais à frente, como se estivesse a pedir algo. O primeiro julgamento da mulher foi de que se tratava de alguém fingindo ser o que não era, para obter dinheiro fácil para as festas de final de ano. Mas quando o sinal abriu e o homem sentou-se na calçada, com semblante em desalento, mãos paralelas apoiando o rosto onde dois olhos pareciam focar um vazio grande demais para ser esquecido, a certeza dela mudou. Se o corpo fala, o dele parecia dizer: "o que faço agora?".

De repente, uma das bocas disse o que os dois corações pensaram simultaneamente: 

- Me deu vontade de ajudar ele. E a outra boca, feliz com aquela revelação, disse:

- Então vamos fazer a volta. 

Porque o carro em movimento já se tinha afastado do homem. Uma passada rápida num caixa eletrônico, uma retirada, e agora o caminho de volta, mas o homem passou por eles no sentido contrário da via, indo Deus sabe para onde. Foi uma correria para fazer o retorno novamente, e o homem parecia ter se evaporado. Olhos atentos perscrutaram praças, becos, na urgência de encontrá-lo, sem êxito. E então, na retomada da ida para a festa, surpresa! Lá estava ele, devagar, com sua sacolinha de pano nas costas e seus óculos no rosto, continuando a ir Deus sabe para onde. 

Passaram por ele, pararam o carro, a boca que falou primeiro saltou sorrindo e foi ao encontro daquele homem. Conversaram, o homem parecia grato, apesar de não ter esboçado sorriso (talvez seus lábios estivessem endurecidos pelas dificuldades da vida). Mais algumas palavras e cada um seguiu seu caminho. 

A boca que ficou esperando tinha muitas perguntas, mas respeitou o silêncio da boca que ajudou. Nem soube de quanto foi a ajuda, e isso era o menos importante. Ficou sabendo apenas que o homem tinha o ressentimento de que não conseguia um emprego de garçom porque "não querem empregar homem velho, só moça bonita e bunduda". Então ela orou para que Deus retirasse aquela certeza do coração do homem e ele pudesse então construir uma nova realidade para si, onde seus olhos não ficassem mais perdidos no vazio que ele próprio criou, pois aquilo que a boca fala, o mundo realiza. 

E, naquele momento, pelo menos um pequeno milagre aconteceu: duas almas, que já haviam se tornado uma, entenderam um pouco mais sobre o sentido da vida.